top of page

A Cirurgia

Cirurgia fetal a céu aberto da mielomeningocele

Antonio Fernandes Moron* e Sérgio Cavalheiro**

 

 

A abordagem cirúrgica fetal representa uma conquis-ta de pesquisadores inovadores e persistentes que utilizaram, inicialmente, animais como modelos ex-perimentais durante vários anos para, finalmente, utilizar seus conhecimentos técnicos em seres humanos.

 

O tratamento cirúrgico fetal requer o trabalho de uma equipe multidisciplinar (obstetra, especialista em medicina fetal, cirurgiões especializados, como por exemplo, neuroci-rurgião pediátrico, geneticista, anestesista, pediatra, enfer-meiro, fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista, entre outros), onde cada profissional tem sua função, desde o recebimento do casal até o parto e seguimento pós-natal, interagindo em todos os momentos do tratamento.

 

Os riscos maternos não devem ser negligenciados, es-tando relacionados basicamente ao procedimento e ao uso de medicamentos. A equipe cirúrgica deve ter preparo ade-quado, utilizando técnicas eficientes e seguras para abertura e fechamento do útero, incluindo cirurgiões com habilida-de para correção de anomalias em fetos com menos de 26 semanas e capacidade para manter estáveis as condições hemodinâmicas maternas e fetais durante todo o procedi-mento. É fundamental dispor de infraestrutura hospitalar de nível terciário de alta-complexidade e com recursos para tra-tamento intensivo materno e do recém-nascido.

 

A mielomeningocele é um disrafismo aberto do tubo neural decorrente de interação complexa entre fatores gené-ticos e ambientais durante o desenvolvimento fetal. É uma malformação considerada não-letal que ocorre em aproxi-madamente 1/1.500 dos recém-nascidos, estando associada a elevado custo pessoal, familiar e social, embora seja passí-vel de prevenção mediante o uso pré-concepcional de ácido fólico. Apresenta grande morbidade durante o transcorrer da vida destes indivíduos, como deficiências cognitivas e respiratórias, variados graus de déficits motores, deformidades esqueléticas, incontinência vesical e fecal, hidrocefalia se-cundária à herniação do tronco cerebral pelo forame magno (síndrome de Arnold-Chiari tipo II) resultante da obstrução ao fluxo do líquido cefalorraquidiano no quarto ventrículo, sendo necessária a realização de derivação ventrículo-peritonial para a descompressão cerebral.

 

A exposição prolongada das raízes ner-vosas no líquido amniótico está relacionada com piora do prognóstico motor, urinário e intestinal e o desenvolvimento da hidro-cefalia e suas complicações motivaram a criação da cirurgia fetal “a céu aberto” para correção da mielomeningocele com o intuito de prevenir ou minimizar os efeitos da herniação do tronco cerebral bem como das lesões de raízes nervosas pela exposição prolon-gada ao líquido amniótico.

 

Com a publicação do estudo americano MOMS (Mana-gement Of Myelomeningocele Study) publicado em março de 2011 ficou estabelecido a superioridade da correção in-tra-útero em comparação com a conduta conservadora de tratamento pós-natal, reduzindo a necessidade de derivação ventrículo-peritoneal no período pós-natal [40% grupo da cirurgia fetal e 82% no grupo controle) e melhora motora no grupo da cirurgia fetal (42% andando independente no gru-po da cirurgia fetal e 21% no grupo controle)]. A partir destes resultados, este procedimento deixou de ser experimental ficando disponível em diversos centros americanos em fun-ção do apoio recebido da MMC Maternal-Fetal Management Task Force que envolve as seguintes sociedades: American Academy of Pediatrics; American College of Obstetricians and Gynecologists; American Institute of Ultrasound in Me-dicine; American Pediatric Surgical Association; American Society of Anesthesiologists; American Society of Pediatric Neurosurgeons; International Fetal Medicine & Surgery So-ciety; Joint Section of Pediatric Neurosurgery (American As-sociation of Neurologic; Surgeons/Congress of Neurological Surgeons); North American Fetal Therapy Network; Society for Maternal-Fetal Medicine; Society of Pediatric Anesthesia e Spina Bifida Association.

 

No Brasil, a realização desta cirurgia conta com o apoio da FEBRASGO (Federação Brasileira das Associações de Gine-cologia e Obstetrícia) que, através de sua comissão especiali-zada em medicina fetal emitiu a recomendação “intervenção materno-fetal para tratamento intra-útero da mielomeningo-cele” em abril de 2013 ficando estabelecido os critérios para sua realização entre 19 e 27 semanas e seis dias; Idade mater-na superior ou igual a 18 anos; mielomeningocele nos níveis  T1 a S1 associada a  herniação cerebral e cariótipo fetal nor-mal. A Comissão recomendou que os casos não atendidos nestes critérios devessem ser avaliados e discutidos em fórum multidisciplinar antes de se proceder à cirurgia. 

 

Baseados em nossa experiência na realização e acom-panhamento de seis cirurgias no ano de 2003, na Escola Paulista de Medicina após treinamento da equipe cirúrgica pelos Professores Joseph Brunner e Noel Tulipan na Van-derbilt University, pudemos dar continuidade logo após a publicação do estudo MOMS, realizando até o momento 82 cirurgias (76 no Hospital e Maternidade Santa Joana e seis no Hospital São Paulo) em gestantes oriundas de di-versos estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais,

 

Bahia, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Pernam-buco, Alagoas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Maranhão) obtendo resultados semelhantes aos observados pelo es-tudo americano, apresentados e discutidos no 12th World Congress in Fetal Medicine 23-27 June 2013, promovido pela Fetal Medicine Foundation, destacando a reversão da herniação do tronco cerebral em 60% dos casos antes do nascimento; intervalo médio entre a realização da cirurgia e o nascimento de 58 dias e redução acentuada na realização de derivação ventrículo-peritonial após o nascimento.

 

De grande importância em nosso país tendo sido o su-porte da sociedade brasileira através do movimento de pais de crianças portadoras de mielomeningocele os quais, uti-lizam as redes sociais, por exemplo, o blog http://vencen-doamielo.blogspot.com.br/, auxiliam na conscientização da população dos riscos da mielomeningocele e colaboram com a divulgação dos métodos de diagnóstico e tratamen-to pré-natal desta malformação. 

 

 

 

*Professor Titular do Departamento de Obstetrícia daEscola

Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP,

Coordenador do Departamento de Medicina Fetal do Hospital

e Maternidade Santa Joana, Diretor Científico do Centro Paulista

de Medicina Fetal.

**Professor Titular do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia

da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de

São Paulo - UNIFESP, Coordenador do Serviço de Neurocirurgia

Pediátrica do Hospital e Maternidade Santa Joana.

 

 

LEITURAS RECOMENDADAS:

- Adzick NS, Thom EA, Spong CY, Brock JW 3rd, Burrows PK, 

Johnson MP, Howell LJ, Farrell JA, Dabrowiak ME,

Sutton LN, Gupta N, Tulipan NB, D’Alton ME,

Farmer DL; MOMS Investigators. A randomized trial of prenatal

versus postnatal repair of myelomeningocele. N Engl J Med.

2011 Mar 17; 364(11):993-1004.

 

- Wilson RD, Lemerand K, Johnson MP et al. Reproductive

outcomes in subsequent pregnancies after a pregnancy complicated

by open maternal-fetal surgery (1996-2007).

Am J Obstet Gynecol 2010;203:e1-6.

 

- Hisaba WJ, Cavalheiro S, Almodim CG, Borges CP, de Faria

TC, Araujo Júnior E, Nardozza LM, Moron AF.

Intrauterine myelomeningocele repair postnatal results and

follow-up at 3.5 years of age--initial experience from a single

reference service in Brazil. Childs Nerv Syst. 2012 Mar; 28(3):461-7.

 

- ACOG Committee opinion nº. 550: maternal-fetal surgery for

myelomeningocele. American College of Obstetricians and

Gynecologists. Obstet Gynecol. 2013 Jan;121(1):218-9

 

 

 

 

 

Texto retirado na Íntegra da Revista SOGESP – Setembro/Outubro de 2013 

Programa Mais Você do dia 19/03/2014 que conta a história das mães que realizaram a cirurgia a céu aberto para correção da mielomeningocele ainda dentro do útero e fantástica entrevista com os médicos resposáveis pela cirurgia.

Obrigado ao programa Mais Você e a Rede Globo por divulgarem a cirurgia.

Agradecimentos também ao Rodrigo Planch pelo post no Yotube e ao Blog Vencendo a Mielo.

bottom of page